quinta-feira, 18 de novembro de 2010

Filosofia e mito

A filosofia surge através do mito, mas a ele acaba se opondo. Nos finais do século V a.C., depois do auge da filosofia, da oratória, e da prosa, o destino e a veracidade dos mitos se tornaram incertos e as genealogias mitológicas deram lugar a uma nova concepção da origem das coisas, sendo que essa concepção tinha como prioridade a exclusão do supernatural (isto se mostra claro nas histórias tacidianas). Enquanto os poetas e dramaturgos elaboravam os mitos, os historiadores e os filósofos desprezavam-os e criticavam-os.
 
Certos filósofos radicais, como Xenófanes, começaram no século VI a. C. a rotular os textos dos poetas como blasfêmias. Queixava-se de que Homero e Hesíodo atribuiam aos deuses "tudo o que é vergonhoso e escandaloso entre os homens, pois os deuses roubam, matam, cometem adultério, e enganam uns aos outros". Essa linha de pensamento encontrou sua expressão mais dramática em A República (acerca da justiça, do universo e dos diversos tipos de governo) e em Leis (que trata da lei divina e natural, da educação e da relação entre filosofia, política e religião) de Platão. Platão criou os seus próprios mitos alegóricos (como o mito da caverna e o mito de Er em A República), atacando os contos tradicionais dos trucos, e tratando os furtos e os adultérios como imorais, opondo-se ao papel central que vinham tomando na literatura grega. A crítica de Platão - que rotulava os mitos de "palavrões antigos" - foi o primeiro exercício e desafio sério à tradição mitológica homérica. Aristóteles, por sua vez, criticou o enfoque filosófico pré-socrático quase-mitológico e destacou que "Hesíodo e os escritores telógicos estavam preocupados unicamente com o que lhes parecia plausível e não tinham respeito pelos outros [...] Mas não merece a pena tomar a sério os escritores que alardeiam o estilo mitológico; aqueles que procedem a demonstrar suas afirmações devem ser re-examinados". Mesmo no início do império da Roma, o livro Metamorfoses, do romano Ovídio, possui nos finais do poema um pseudo-discurso do filósofo e matemático grego Pitágoras que, reivindicando a vida após a morte, o vegetarianismo e a esperança, diz Porque temeis o Estige, as trevas e os nomes inexistentes, matéria para poetas [...], embora o discurso de Pitágoras escrito por Ovídio seja permeado por alusões a criaturas e deuses romanos como Juno, Lúcifer, Palante, Febo, Tíndaro, entre outros.
As explicações filosóficas gregas que pretendiam revisar as mitológicas criaram conseqüências drásticas para os seus autores: Anaxágoras, por exemplo, partiu para um auto-exílio fora de Atenas, por duvidar que a lua fosse uma deusa (explicação mitológica) e afirmar que, pelo contrário, vislumbrava em sua terra mares e montanhas. Aristóteles, que não aceitava a explicação de que o titã Atlas carregava a terra e o céu nas costas (afirmação que rotulou de "ignorância e superstição do povo grego"), exilou-se por temer que terminasse como Sócrates, que obteve acusação de impiedade e morreu. Sócrates foi condenado com 71 anos, acusado, entre outras coisas, de ateísmo e de corromper os jovens gregos com seus ensinamentos. Meleto, poeta e um de seus acusadores, havia argumentado que "[...]Sócrates é culpado do crime de não reconhecer os deuses reconhecidos pelo Estado e de introduzir divindades novas; ele é ainda culpado de corromper a juventude. Castigo pedido: a morte".  Sócrates, após ficar preso a ferros durante 30 dias, morreu num método de auto-envenenamento da prisão da época, ingerindo cicuta mas, antes de falecer, segundo Platão, incutiu uma dúvida a seus acusadores: "E agora chegou a hora de nós irmos, eu para morrer, vós para viver; quem de nós fica com a melhor parte ninguém sabe, exceto o Deus

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